A Igreja Católica e o fascismo: os bastidores do Tratado de Latrão
A Igreja Católica e o fascismo: os bastidores do Tratado de Latrão
Alguns críticos, incluindo grupos protestantes e ateus, afirmam que a Igreja Católica teria negociado e assinado o Tratado de Latrão com Benito Mussolini como forma de apoiar o fascismo. No entanto, tal afirmação não se sustenta, uma vez que a conciliação entre a Igreja e o Estado italiano já era desejada anteriormente, conforme expresso pelo Papa Bento XV. Em sua alocução In hac quidem, dirigida aos cardeais reunidos em consistório secreto, Bento XV declarou:
“Também vemos que alguns Estados, após tão graves e radicais convulsões políticas, foram transformados a ponto de não poderem mais ser considerados a mesma pessoa moral com a qual a Sé Apostólica havia tratado anteriormente. Donde se segue naturalmente que também os pactos e convenções anteriormente celebrados entre a Santa Sé e esses Estados já não têm qualquer valor. No entanto, se os Chefes das referidas Repúblicas e Estados desejam firmar com a Igreja novos pactos mais adequados às novas condições políticas, saibam que a Santa Sé, a menos que algum obstáculo particular se oponha, não se opõe a negociar com eles como está já negociando com algumas nações.”
Dando seguimento a essa disposição, Bento XV enviou Monsenhor Bonaventura Cerretti à Conferência de Paz de Paris, em 1919, para se encontrar com o primeiro-ministro Vittorio Emanuele Orlando e propor que a Itália concedesse soberania e independência ao Vaticano. Orlando aceitou a proposta e iniciou negociações com a Santa Sé nesse sentido. No entanto, o rei Vítor Emanuel III impediu sua conclusão, ressentido com a neutralidade da Santa Sé durante a Primeira Guerra Mundial — atitude que ele interpretava como apoio velado ao Império Austro-Húngaro.
Benito Mussolini, em discurso proferido no Parlamento do Reino da Itália em 13 de maio de 1929, relatou: “Monsenhor Kelley deveria partir para a América no dia seguinte, mas como o navio atrasou sua partida em dois dias, entre 18 e 20 de maio, Brambilla, cinco vezes, em nome de Orlando, insistiu ao prelado que, em vez de retornar à América, ele fosse a Roma, para se reportar ao Cardeal Secretário de Estado. Monsenhor Kelley finalmente concordou e chegou a Roma em 22 de maio. No mesmo dia foi ao Vaticano encontrar-se com Monsenhor Cerretti, então secretário dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, que imediatamente o acompanhou ao Cardeal Gasparri, a quem explicou tudo com a maior precisão”.
O Cardeal Secretário de Estado e Monsenhor Cerretti dirigiram-se imediatamente ao Papa e, cerca de uma hora depois, retornaram com a decisão de que o próprio Monsenhor Cerretti partiria para Paris no dia 24, a fim de encontrar-se com Vittorio Emanuele Orlando. Monsenhor Kelley o acompanharia, mas não trataria mais da questão romana.
No dia 1º de junho, conforme acordado com Brambilla, Monsenhor Cerretti reuniu-se com o honorável Orlando no quarto 135 do Hotel Ritz. Orlando confirmou integralmente a conversa que havia tido com Monsenhor Kelley. Cerretti então lhe apresentou uma breve exposição sobre a Questão Romana e sua possível solução, redigida de próprio punho pelo Cardeal Secretário de Estado. Após a leitura do documento, Orlando declarou aceitar, em princípio, os termos propostos, e os principais pontos foram debatidos.
Um dos temas centrais dizia respeito à extensão territorial desejada pela Santa Sé, cujo memorando sugeria que a delimitação partisse de um rio — de modo a garantir uma fronteira natural —, abrangendo também aldeias e outros pontos relevantes fora dos limites do Vaticano. Orlando, no entanto, preferia que o território começasse no próprio Vaticano e se estendesse por trás dele, evitando incluir áreas densamente habitadas da cidade. Concluiu-se, então, que a questão da extensão poderia ser negociada posteriormente, uma vez estabelecidas as bases territoriais.
Outro ponto de destaque foi a necessidade de reconhecimento internacional. O memorando previa que o território papal fosse garantido por outras nações. Tal garantia poderia ser buscada junto à recém-criada Liga das Nações, na qual muitos depositavam, na época, grandes esperanças. Orlando sugeriu que a própria Itália promoveria a entrada da Santa Sé na Liga com esse objetivo.
Em 9 de junho, Brambilla, em nome de Orlando, informou Monsenhor Cerretti de que o presidente havia encarregado o honorável Colosimo de apresentar o projeto aos ministros e ao rei. De fato, os jornais da época anunciaram que Colosimo havia sido recebido pelo soberano.
Contudo, em 15 de junho, Orlando retornou a Roma e, enfrentando o voto da Câmara, viu-se em minoria e renunciou ao cargo. A documentação completa dessas negociações encontra-se nas notas redigidas por Monsenhor Kelley e Monsenhor Cerretti, este último então já elevado a cardeal. Tais anotações foram posteriormente apresentadas ao próprio Orlando, que as considerou totalmente precisas. As conversações com os sucessores de Orlando — pertencentes ao período pré-fascista — não tiveram fundamentos distintos daqueles estabelecidos com o próprio Orlando e, de fato, foram menos relevantes que as conduzidas por este.
Após sua eleição no conclave de 1922, o Papa Pio XI apareceu na varanda da Basílica de São Pedro sem dizer uma palavra, apenas para conceder a bênção Urbi et Orbi. Esse gesto rompeu com a tradição de seus predecessores, desde Leão XIII até Bento XV, que costumavam se pronunciar publicamente nesse momento solene.
Em 16 de fevereiro de 1922, logo após ser eleito, Pio XI concedeu uma audiência ao Barão Carlo Monti, representante oficial do Reino da Itália junto à Santa Sé durante o pontificado de Bento XV. O autor Giovanni Cocco relata: "Nos meses que se seguiram, os encontros com o Barão Monti foram sempre marcados pela cordialidade, e o ministro italiano observou como, no que dizia respeito à Itália, diferentemente de Bento XV — educado em outra escola, a de Leão XIII e do Cardeal Rampolla — Pio XI parecia livre de preconceitos e de condicionamentos prévios".
Dessa forma, o novo pontífice demonstrava sua predisposição para resolver a Questão Romana, oito meses antes da ascensão de Benito Mussolini ao poder.
Em 8 de agosto de 1926, Pio XI autorizou o início das negociações para a assinatura de um tratado, impondo como pré-requisito o reconhecimento internacional da soberania absoluta do Papa sobre o território que lhe seria atribuído. A Santa Sé desejava a inclusão de outras nações no processo, a fim de internacionalizar a decisão e garantir respaldo diplomático mais amplo.
Mussolini, em discurso proferido no Parlamento em 13 de maio de 1929, revelou o conteúdo de uma carta enviada ao advogado Pacelli (futuro Pio XII) por Sua Eminência o Cardeal Secretário de Estado Pietro Gasparri. Nela, Gasparri afirmava: "Isso pode nos garantir desde já, que a convicção sobre a utilidade e a importância de eliminar qualquer motivo de desacordo entre a Itália e a Santa Sé não poderia ser para estes nem mais profunda nem mais sincera, como o demonstram repetidos documentos solenes”.
Em 24 de outubro de 1926, Gasparri estabeleceu quatro condições fundamentais: 1. A condição jurídica a ser concedida à Santa Sé deveria ser condizente com sua dignidade e com os princípios da justiça. 2. Essa condição deveria garantir plena liberdade e independência — não apenas real e efetiva, mas também visível e manifesta — com um território de propriedade plena e exclusiva, tanto em domínio quanto em jurisdição, como convém a uma verdadeira soberania, inviolável em qualquer circunstância. 3. Por tratar-se de uma questão que transcendia as fronteiras italianas, era imprescindível que a nova configuração territorial fosse reconhecida pelas demais potências. 4. Caberia ao governo italiano obter, ao menos em princípio, esse reconhecimento junto às potências europeias com as quais a Santa Sé mantinha relações diplomáticas, antes mesmo de iniciar as negociações oficiais".
Segundo Giovanni Cocco, o Sagrado Colégio só foi informado da iminente conciliação em 18 de novembro de 1928, poucos meses antes da assinatura dos Pactos Lateranenses. Todos os cardeais da Cúria foram convocados ao apartamento do Secretário de Estado, onde Gasparri leu uma declaração genérica sobre as negociações em andamento, anunciando a celebração de um acordo oficial em breve — sem, no entanto, revelar detalhes concretos. Embora os cardeais não tenham feito objeções imediatas, muitos ficaram perplexos e desorientados com aquele modus operandi anômalo, que os privava do conhecimento prévio do conteúdo dos Pactos.
O historiador David Kertzer acrescenta: "Na verdade, os cardeais só leriam o texto do Tratado de Latrão em 11 de fevereiro de 1929, dia em que o documento foi assinado e tornado público".
Cesare Maria de Vecchi relata sua viagem com diversos cardeais da Cúria Romana, na qual buscou ouvir suas opiniões sobre o tratado. Segundo ele: "Antes da visita, eu havia me informado sobre suas ideias a respeito da conciliação, o que foi particularmente útil para iniciar as discussões sobre os conflitos entre o Vaticano e o Governo. Em geral, todos estavam alinhados com nossa perspectiva, e muitos de seus propósitos não diferiam substancialmente das intenções do próprio Mussolini. Também percebi que o Colégio dos Cardeais, de modo geral, respeitava e temia o Papa. Nem todos, contudo, estavam entusiasmados com a forma como a 'Questão Romana' foi resolvida. No Vaticano, havia dois blocos: um favorável e outro insatisfeito, que criticava a Concordata — e, naturalmente, o Papa que a havia assinado. As críticas variavam de tom: algumas eram brandas e respeitosas; outras, francamente implacáveis e venenosas.
Devo dizer, entretanto, que no Colégio dos Cardeais havia mais apoio do que oposição. Contudo, os críticos se expressaram com uma violência inaudita. O patriciado negro romano não foi menos mordaz do que certos cardeais que, com ou sem razão, também pareciam ter motivos para reprovar a iniciativa do Santo Padre. A sentença mais dura e cruel foi proferida pelo príncipe Ruspoli, que então ocupava um alto cargo no Vaticano. Ele declarou: 'Lamento que não estejamos mais na Idade Média, pois assim poderíamos administrar um pouco de veneno a este Papa!'"
Cesare Maria de Vecchi relatou que tomou conhecimento da oposição de membros do clero à conciliação por meio de comunicações confidenciais feitas por diversos prelados. Segundo suas palavras: “a viva campanha que, embora silenciosa para nós, era conduzida de forma evidente dentro da Igreja por vários desses cardeais contra a conciliação que se concretizou”.
De Vecchi afirma ainda que teve a oportunidade de levar essas críticas tanto ao Secretário de Estado da Santa Sé quanto ao próprio Papa, que, segundo ele, “já alimentava algumas suspeitas, se não plena consciência, com base nas provas que estavam em minhas mãos”. Entre os opositores declarados ao Tratado, destacam-se os cardeais Rafael Merry del Val, Tommaso Pio Boggiani, Basilio Pompilj, Lorenzo Lauri, Gaetano Bisleti e Bonaventura Cerretti, todos eles críticos à forma como a questão foi resolvida.
Arnaldo Mussolini, em carta ao irmão Benito, datada de 7 de fevereiro de 1929, escreveu: “Querido Benito, o Padre Doutor Paolo De Töt me falou da decepção dos cardeais Boggiani e Merry del Val por terem sido totalmente excluídos das negociações em andamento para a Concordata entre o Estado e a Igreja na Itália. Não compreendi bem as razões desse gesto contra os jesuítas, que desejavam monopolizar as recentes negociações. Já que estamos lidando com cardeais, achei apropriado informar o estado de espírito deles.”
Cesare de Vecchi relatou que contou ao Papa Pio XI: “Relatei-lhe, por exemplo, que o cardeal Lauri havia dito que a Concordata e o Tratado de Latrão foram feitos por um tolo e um astuto. O tolo seria Sua Santidade, o Papa Pio XI; e o astuto, Vossa Excelência.”
O Cardeal Merry del Val, visivelmente ressentido por ter sido deixado de fora, ironizou: “É claro que a Concordata foi feita por um montanhês, Sua Santidade. Aliás, é feita com os pés!”.
O próprio Cardeal Lauri, poucos dias antes da Procissão Eucarística Pontifícia na Praça de São Pedro, lamentou publicamente ter que “sofrer a humilhação de assistir e participar da saída do Papa para a Praça de São Pedro”.
Giovanni Cocco relata: “Segundo confidências colhidas de Monsenhor Luigi Maglione, então núncio em Paris e de licença em Roma, os cardeais Pompili, Merry del Val e Bisleti criticaram duramente a política de Pio XI e o desprezo que o pontífice demonstrava sentir por eles e pelo Colégio dos Cardeais.”
Um dia após a assinatura do tratado, começou a circular um boato — não só no Vaticano, como também em grande parte do mundo católico — de que o Papa havia sido enganado. Juntamente com outros homens influentes da Cúria Romana, o cardeal Merry del Val culpou o cardeal Pietro Gasparri, secretário de Estado da Santa Sé, que, na verdade, se viu cada vez mais em dificuldade diante dos relatórios que chegavam ao Vaticano, vindos de departamentos de polícia e dos carabinieri hostis ao regime, sobre perseguições, sequestros e assédios sofridos por associações católicas.
De acordo com um dossiê da polícia política fascista (OVRA) sobre o cardeal Merry del Val, “a sua atitude face ao fascismo parece vacilar”. Embora tenha apoiado o fascismo em sua ascensão, ele se voltou contra Mussolini no rescaldo do tratado. Em todo caso, os espiões ainda o julgavam “muito disposto a fazer-se acreditar novamente como pró-fascista, se o governo italiano o apoiasse na sua ambição sem limites”.
Certamente, entre setembro e outubro de 1929, uma série de informações indica que o cardeal Merry del Val não estava apenas descontente e preocupado com a situação política da Itália em geral, mas também com a política implementada por Pio XI em relação ao governo Mussolini. Segundo o dossiê, o cardeal declarou: “A situação do papado e a situação interna da Itália é muito crítica. O papado, mais cedo ou mais tarde, será forçado a recuar, enquanto a situação interna do nosso país é declaradamente desastrosa no exterior, como ninguém aqui pode imaginar. Não é tanto a crise financeira, mas a crise moral — de opressão e descontentamento latente — que assusta os estrangeiros”.
Já o cardeal Pompilj não havia concordado com a decisão do Papa de confiar a Francesco Pacelli um papel de liderança nas relações entre a Santa Sé e o Reino da Itália. Ele desejava que uma parte significativa da cidade de Roma fosse incluída no território atribuído ao Papa pelo tratado. Kertzer relata:
“Como vários de seus pares na Cidade Eterna, Pompilj, de setenta anos, via Mussolini como alguém tão indigno de confiança quanto os primeiros-ministros anteriores, e não mais católico do que qualquer um deles. O fato de Pio XI abandonar essa reivindicação e receber, aos olhos do cardeal, tão pouco em troca, era um escândalo — sentimento partilhado não só pelos amigos íntimos de Pompilj, mas por um círculo mais amplo de conhecidos.”
O cardeal Pompilj reclamou: “Entregaram Roma — seu prestígio, sua importância histórica, seus monumentos, suas igrejas — como se estivessem lidando com uma aldeia abissínia.”
Para o cardeal Pompilj, o Papa era “incompetente, fraco, a praga e a ruína da Igreja, que ele traiu ao se colocar à mercê de um governo que nem remotamente merece o nome de católico”. Pio XI insistiu reiteradamente para que o cardeal demonstrasse mais respeito pelo papado. No entanto, à medida que os veementes protestos de Pompilj continuavam a circular, o Papa perdeu a paciência e lhe pediu que renunciasse. O cardeal respondeu: “Santidade, o senhor tem o poder de me tirar do cargo, e faça isso se quiser. Mas, até o dia da minha morte, jamais me afastarei por iniciativa própria deste cargo que ocupo há tanto tempo e do qual nunca me mostrei indigno.”
Poucos meses depois, diante de um novo apelo do Papa, Pompilj voltou a se firmar: “Vou continuar gritando a mesma coisa até o senhor não aguentar mais: Não saio, não saio, não saio”.
O cardeal também respondeu àqueles que desejavam afastá-lo: “Não me afastem. Vocês vão me afastar porque eu estou falando a verdade”. O cardeal Pompilj chegou inclusive a ser ameaçado por fascistas. O cardeal Cerretti, por sua vez, inicialmente não simpatizava com a concordata, apostando tudo no tratado. Kertzer relata: “A simpatia de Cerretti pelos países democráticos e pelo Partido Popular na Itália era bem conhecida e, como Pio XI bem sabia, ele se opunha ao acordo que o pontífice fizera com Mussolini.”
Cocco, citando um relatório datado de 15 de junho de 1929 do Ministério do Interior, acrescenta: “Cerretti disse, entre outras coisas, que o Papa deixou Mussolini comer a geléia na sua cabeça.”
Após o Sacro Colégio ser informado da assinatura do tratado, o cardeal Cerretti — então a bordo de um navio, retornando da Austrália — não escondeu sua indignação, como também relata Kertzer. Contudo, Cerretti viria a mudar de opinião. Como escreve Cocco: “A conquista mais significativa para o regime fascista foi representada pelo cardeal Bonaventura Cerretti, no passado firmemente hostil aos Pactos de Latrão. Em 15 de fevereiro de 1932, por ocasião do décimo aniversário da eleição do Papa Ratti, o cardeal fez um discurso no clube San Pietro, no qual falou com entusiasmo sobre o trabalho de conciliação.”
Monsenhor Domenico Tardini, que participou das negociações do tratado, foi inicialmente favorável, mas mudou de opinião cinco anos após a assinatura. Disse ele: “Essa concordata poderia dar a impressão, a outras nações, de um achatamento da Santa Sé sobre a política externa do governo italiano, quando, ao contrário, era justamente a ruptura com a Itália que garantia a independência do Papa.”
Ele também criticou a organização do novo Estado do Vaticano: “Tão pequenino e tão presunçoso, tão pobre e tão esbanjador, tão liliputiano e tão saturado de empregados, e pobre de salários.”
Monsenhor Tardini questionou: “Essa demonstração de carreirismo, idiotice, parasitismo dada por aqueles que se aninham no tecido da Cidade do Vaticano beneficia a Santa Sé?”. Para ele, o texto da concordata era excessivamente complexo, composto por “cerca de quarenta artigos, com disposições tão variadas, coisas tão complexas”, que, inevitavelmente, gerariam — abre aspas — “a todo momento, desentendimentos e lutas”.
Nem mesmo a famosa expressão do Papa, “simul stabunt, simul cadent” — com a qual vinculava indissociavelmente a Concordata ao Tratado — o convenceu: “A experiência deveria ter nos ensinado algo: todas as concordatas estão destinadas a serem transgredidas e, finalmente, a cair. Portanto, qual será o efeito de termos sustentado durante anos o vínculo inseparável entre a Concordata e o Tratado?”
O padre Paolo de Töth, dotado de sólida formação teológica baseada no pensamento de São Tomás de Aquino e São João da Cruz, foi descrito como “um dos mais orgulhosos expoentes da Contra-Revolução na Itália contemporânea”. Editor da revista Fede e Ragione, ele temia uma solução de compromisso que colocasse a Igreja a serviço dos interesses do “Estado não católico, nascido da Revolução Nacional do Risorgimento” — especialmente de certas vertentes às quais o fascismo parecia estar ligado.
Nas colunas da Fede e Ragione, em 19 de maio de 1929, ele comenta o discurso de Mussolini, proferido em 13 de maio, afirmando que, após uma longa peregrinação, ainda se permanecia em Febrônio — alusão crítica ao heresiarca Febronius Justinus. Argumentava que não se podia falar, em sentido próprio, de um “Estado católico”, mas, no máximo, de um “Estado de concordata”, pois um Estado de concordata também poderia não ser católico — como era o caso da Checoslováquia. Concluía: “O temor de Deus, que na prática resolve o temor da Igreja, não traz bênção.”
O padre Luigi Sturzo, por sua vez, publicou no jornal The Review of Reviews, em 15 de fevereiro, um artigo insinuando rumores “de uma possível, porém duvidosa, solução para a questão romana”. Mais adiante, na edição de 15 de outubro do mesmo periódico, Sturzo escreveu:
“Se é verdade, como dizem, que o Papa, ao conceber a concordata, acreditou que poderia restaurar o Estado católico na Itália, sem dúvida cometeu um grande erro. Porque, enquanto os fascistas gostam disso — e é vantajoso para eles se passarem por católicos e proclamarem os direitos da religião — é bem conhecido de todos que, em geral, nem sua concepção de vida, nem seu ideal de Estado têm algo a ver com o catolicismo como religião e moral. Eles concebem o Estado sustentado pela Igreja, mas por uma Igreja que serve e não domina, que ajuda e não exige. O Estado católico na Itália fascista nunca existiu e nunca existirá, porque as duas teorias são opostas e irredutíveis. Portanto, duas políticas com fins diferentes estão se enfrentando. O Papa tende para o Estado católico, do qual a concordata é uma expressão; Mussolini, para o Estado fascista, do qual a concordata é um instrumento. O Papa, embora tente evitar o confronto, não pode deixar de defender o clero e a juventude católica da interferência política fascista. Já Mussolini jamais renunciará à ideia de que a educação da juventude e o trabalho do clero estejam a serviço do fascismo e de acordo com sua orientação.”
Sturzo concluiu com uma advertência incisiva: “Hoje, os homens da conciliação entregam-se a frases entusiásticas e manifestações exteriores. Muito em breve, o raciocínio frio tomará conta; e muitos — se não todos — verão os perigos que envolve um idílio que floresce no túmulo da liberdade.”
No seu discurso ao Senado, em 25 de maio, Mussolini comentou com ironia que um padre havia reclamado do tamanho do território do Vaticano: “O padre Semeria, em Trieste, chamou o território de 'vejo-te e não te vejo'.”
O filósofo Benedetto Croce, por sua vez, escreveu em seu livro Pela nova vida da Itália uma crítica contundente: “Ninguém pode esquecer Pio XI, que elogiou o homem da Providência com quem fez os acordos infames — como que para denotar uma espécie de pacto místico-político entre a Igreja e o fascismo.”
Contudo, o que o Papa Pio XI de fato disse em sua alocução Vogliamo anzitutto — durante uma audiência concedida a professores e alunos da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, em 13 de fevereiro de 1929 — foi o seguinte:
“E às vezes fomos tentados a pensar — como dizemos com feliz confiança a vocês, sim, bons filhos — que talvez fosse necessário um Papa montanhista para resolver a questão, um montanhista imune à vertigem e acostumado a enfrentar as subidas mais árduas. Assim como às vezes pensamos que talvez fosse necessário também um Papa bibliotecário, acostumado a ir ao fundo da pesquisa histórica e documental, porque é evidente que muitos livros e documentos tiveram que ser consultados. Devemos dizer que também fomos nobremente apoiados pelo outro lado. E talvez também precisássemos de um homem como aquele que a Providência nos fez encontrar: um homem que não teve as preocupações da escola liberal — para os homens da qual todas essas leis, todas essas ordens, ou melhor, desordens, todas essas leis, digamos, e todos esses regulamentos, eram outros tantos fetiches. E, assim como os fetiches, quanto mais intangíveis e veneráveis, mais feios e disformes são.”
Stefano Jacini, em 25 de março do mesmo ano, visitou o Papa para conversar. Nessa conversa, que durou setenta minutos, os dois passaram boa parte do tempo discutindo sobre a conciliação. Pio XI afirmou: “Situação resolvida. Sim, estou muito satisfeito. Mas agora vem a parte difícil: fazer com que as cláusulas sejam aplicadas. Nunca precisamos tanto de preces quanto agora, mas o futuro está nas mãos de Deus. Não se pode esperar que eu seja capaz de adivinhar o que vem pela frente.”
Sabendo que Jacini fora membro do Partido Popular Italiano, Pio XI se justificou, afirmando que não podia perder a oportunidade, pois, se o fizesse, a história o julgaria com severidade. Queixou-se das críticas que vinha recebendo por ter celebrado um acordo com o governo de Mussolini: “É como dizer que alguém deve parar de respirar porque está numa sala onde o ar é poluído.”
Mussolini, por sua vez, em seu discurso de 13 de maio, comentou: “Se ao longo de 1927 as coisas estagnaram e tudo se limitou a manter contatos pessoais, foi devido à disputa pela educação das gerações mais jovens, à questão dos escoteiros católicos — questão cuja solução vocês conhecem. Um outro regime, que não é o nosso — um regime demoliberal, daqueles que desprezamos — pode achar útil renunciar à educação das gerações mais novas. Nós não. Nesse campo, somos intratáveis. Nosso deve ser o ensinamento. Essas crianças devem ser educadas em nossa fé religiosa, mas precisamos integrar essa educação; precisamos dar a esses jovens um senso de virilidade, de poder, de conquista; acima de tudo, precisamos inspirá-los com nossa fé e incendiá-los com nossas esperanças.”
Francesco Pacelli, em seu Diario della Conciliazione, registrou que Pio XI ficou “fortemente amargurado com o discurso”.
Na sua alocução Ecco una, dirigida aos professores e alunos do colégio Mondragone, em 14 de maio, Pio XI respondeu diretamente às palavras de Mussolini: “A missão da educação pertence, acima de tudo, à Igreja e à família — à Igreja e aos pais e mães. Ela lhes pertence por direito natural e divino e, portanto, de maneira inevitável, inelutável, insubstituível. O Estado não foi feito para absorver, engolir, aniquilar o indivíduo e a família. Isso seria absurdo, seria contra a natureza, pois a família está antes da sociedade e do Estado. O Estado não pode, portanto, prescindir da educação, mas deve contribuir e providenciar o que for necessário e suficiente para ajudar, cooperar, aperfeiçoar a ação da família, corresponder plenamente aos desejos do pai e da mãe, e sobretudo respeitar o direito divino dos filhos da Igreja. De certo modo, pode-se dizer que o Estado é chamado a completar a obra da família e da Igreja, porque o Estado, mais do que ninguém, dispõe dos meios postos à sua disposição para as necessidades de todos, e é seu dever usá-los em benefício daqueles de quem provêm. É então bem claro que o Estado, no campo da educação, pode muito bem prover profissionais e assalariados conscientes, mas jamais poderá prover vocações — vidas consagradas à educação em plena e total dedicação.”
“Não seremos nós a dizer que, para realizar seu trabalho no campo da educação, é necessário, conveniente, oportuno que o Estado levante conquistadores, promova conquistas. O que é feito em um Estado também pode ser feito em todo o mundo. E se todos os Estados se levantassem para conquistar, o que aconteceria? Isso não contribuiria para o apaziguamento geral, mas sim para a conflagração geral. A menos que se pretenda dizer (e talvez seja exatamente isso que se quis dizer) que se deseja promover a conquista da verdade e da virtude — caso em que estaremos de pleno acordo. Mas onde nunca poderemos concordar é em tudo o que tenta comprimir, diminuir ou negar esse direito que a natureza e Deus deram à família e à Igreja no campo da educação. Neste ponto, não queremos dizer que somos intratáveis — também porque a intratabilidade não é uma virtude —, mas apenas intransigentes. Assim como não poderíamos deixar de ser intransigentes se nos perguntassem quanto é dois mais dois. Dá quatro, e não temos culpa se não dá três, ou cinco, ou seis, ou cinquenta. Quando se trata de salvar algumas almas, para evitar maiores danos às almas, sentiríamos a coragem de lidar com o próprio diabo em pessoa. E foi justamente para prevenir um mal maior que — como todos bem sabem — discutimos, em determinado momento, o destino dos nossos queridos escoteiros católicos. Fizemos sacrifícios para evitar males ainda maiores, mas deixamos claro, e documentado, toda a dor que sentimos por termos sido forçados a isso.”
O jornal L’Osservatore Romano, do Vaticano, na edição de 16 de maio, descreveu as opiniões de Mussolini como “heréticas e piores do que heréticas”. Pio XI, pela via diplomática, exigiu de Mussolini um esclarecimento sobre seu discurso no parlamento de 13 de maio, esperando que ele fizesse isso no discurso ao Senado, marcado para o dia 25 de maio.
Mussolini, no seu discurso ao Senado, respondeu à alocução de Pio XI no Colégio Mondragone: “Dizer que a educação pertence às famílias é dizer algo fora da realidade contemporânea. A família moderna, assediada pelas necessidades econômicas, oprimida cotidianamente pela luta pela vida, não consegue educar ninguém. Somente o Estado, com seus meios de todo tipo, pode cumprir essa tarefa. Acrescento que só o Estado também pode dar o necessário ensino religioso, integrando-o no complexo das outras disciplinas. O que é, então, a educação que reivindicamos de forma totalitária? A educação do cidadão.”
Pio XI, em carta dirigida ao Cardeal Gasparri em 30 de maio, respondeu ao discurso de Mussolini: “Daqui não pode advir nenhum prejuízo aos reais direitos ou, melhor dizendo, aos deveres do Estado no que se refere à educação dos cidadãos — sempre sem prejuízo, é claro, dos direitos da família. O Estado nada tem a temer da educação dada pela Igreja e sob suas diretrizes. Foi essa educação que preparou a civilização moderna enquanto verdadeiramente boa, enquanto mais elevada. A família percebeu isso imediatamente, e desde os primeiros dias do cristianismo até os dias atuais, pais e mães — mesmo quando têm poucos ou nenhum crente — enviam e trazem seus filhos aos milhões para institutos educacionais fundados e dirigidos pela Igreja. Ainda menos, se possível, do que o Estado, tem que temer a ciência, o método científico, a pesquisa científica, os desenvolvimentos maiores e superiores da educação religiosa. Os institutos católicos, seja qual for o nível de ensino e de ciência a que pertençam, não precisam de desculpas.”
Mussolini prosseguiu em sua fala, recorrendo a autores católicos para legitimar suas posições: “Além disso, homens de clara doutrina católica, como Monsenhor Battifolle, em seu livro L’Église naissante et le catholicisme, repudiavam a tese protestante condensada no trinômio: Cristianismo, Catolicismo, Romanismo — tese adotada com muita força por Renan. Mas ele mesmo admite neste livro, agora em sua quinta edição, que a cooperação de Roma na missão da Cathedra Petri foi providencial. ‘E nós’, diz o autor, ‘não teremos a má graça de o contestar’. Temos, acrescenta, as nossas reservas quanto aos termos políticos utilizados para descrevê-la, bem como quanto à tendência de transformar o que era apenas uma circunstância em uma função geradora.”
Mussolini citou ainda outro autor católico, Duchesne, na Histoire ancienne de l’Église: “Faço menção do francês porque, já há algum tempo, o catolicismo italiano não tem sido frutífero; a produção intelectual nesta matéria está em outro lugar. Nos últimos tempos, tivemos apenas uma tradução, novamente do francês: La primauté du spirituel, de Maritain. Duchesne inicia este livro, escrito em Roma em 1905, com um capítulo intitulado ‘O Império Romano, pátria do cristianismo’, e na página 10 acrescenta: ‘Do que foi dito conclui-se que a propagação do cristianismo encontrou na situação do Império Romano tanto facilidades quanto obstáculos. Entre os primeiros, deve-se colocar a paz universal, a uniformidade das línguas e das ideias, a rapidez e a segurança das comunicações. A filosofia, pelos golpes que infligiu às velhas lendas, e pela sua impotência para criar algo que as substituísse, pode ser considerada como um útil auxiliar (...)’ Finalmente, ‘as religiões orientais, ao oferecerem algum alimento ao sentimento religioso, impediram-no de morrer e permitiram-lhe recorrer ao renascimento evangélico’. Claro, acrescenta, houve obstáculos, nomeadamente as perseguições intermitentes dos imperadores romanos, o espírito de raciocínio da filosofia grega — que se apoderou dos elementos doutrinários do ensino cristão e trouxe à tona uma centena de diferentes heresias.”
Mussolini finaliza a citação: “Na época dos Antoninos, Roma era o caldeirão de todo o mundo cristão. Como diz o próprio autor: ‘Todos os chefes das comunidades se reuniam em Roma, todas as figuras mais características estavam lá’. Na página 241, menciona: ‘Policarpo, o patriarca da Ásia; Marcião, o feroz sectário do Ponto; Valentino, o grande mestre da gnose alexandrina; Hegésipo, o judeu-cristão da Síria; Justino e Tácio, filósofos e apologistas. Era como um microcosmo, uma síntese de todo o cristianismo da época’.”
Pio XI responde: “Dizemos: expectativa frustrada, porque as longas, embora nem sempre fáceis, negociações abriram nossas mentes às melhores esperanças. E muito menos poderíamos esperar ouvir, num contexto oficial, expressões heréticas — e piores do que heréticas — acerca da própria essência do cristianismo e do catolicismo. Tentou-se remediar: não nos parece ter sido bem-sucedido. Distinguir, como parece estar se fazendo, entre afirmação histórica e doutrinária seria, no mínimo, cair no erro do mais condenável modernismo. O mandato divino aos povos universais é anterior ao chamado de São Paulo; já no episódio de São Pedro com os gentios se manifesta a abertura universal da salvação. A universalidade está presente por direito e por realidade desde os primórdios da Igreja e da pregação apostólica. Por obra dos apóstolos e dos homens apostólicos, o Evangelho estendeu-se muito além das fronteiras do Império Romano — que, como se sabe, não abrangia o mundo inteiro; bastaria recordar a utilidade providencial da organização imperial para a expansão e organização eclesiástica, como disseram, com elevação insuperável, dois grandes italianos: Dante Alighieri e São Leão Magno. Em poucas e magníficas palavras, eles esculpiram a substância de um argumento que, mais tarde, outros trataram com uma erudição nem sempre limpa de imprecisões e erros, muitas vezes sob a influência do protestantismo e do modernismo. Ter-se contentado com tais vozes — Dante e Leão Magno — teria também evitado citar e até elogiar um livro que desde 1912 consta no Índice de livros proibidos (Histoire de l’Église ancienne). E dizer, com desdém quase justificado, que há tempos o catolicismo italiano não é frutífero, como se a produção intelectual tivesse migrado completamente para outras terras, é um julgamento demasiado apressado para ser verdadeiro — e muito menos justo — à honra do catolicismo na Itália e da Itália no catolicismo.”
Mussolini, por sua vez, redobra a aposta em seu discurso de inauguração do VII Congresso Internacional de Filosofia:
“Em um dos trabalhos que serão apresentados neste Congresso — que terei o prazer e a grande honra de inaugurar amanhã — há alguém que trata exatamente dessa questão e faz algumas observações interessantes. ‘Hoje estamos longe’, diz ele, ‘do tempo em que o Padre Cornoldi, em 1881, afirmava que toda a filosofia moderna é a patologia da razão humana.’ Exagerado! Não devemos acreditar que ainda não existem indivíduos que pensam assim, mas também existem aqueles que vieram até nós. Na lista de autores - diz ele - a serem proscritos, Spinoza obviamente deve ser incluído." Mas quem é o maior biógrafo e estudioso de Spinoza hoje? Ele é um jesuíta de grande perspicácia espiritual: Dunin Bornowsky. E a Universidade Católica de Milão dedicou um volume de estudos a Kant e o Reitor daquela Universidade, tão querida às mais altas hierarquias católicas, preconiza o estudo de Kant e admite o reconhecimento da sua grandeza, compatível não só com o sentimento cristão, mas também com a filosofia tomista, da qual o Reitor da Universidade Católica de Milão é um expoente. Afinal, basta folhear o programa de cursos da Universidade Católica de Milão no corrente ano letivo para saber que o padre Chiocchetti leu a Crítica da razão pura e o padre Cordovani leu o primeiro livro da Ética de Spinoza, o De Deo. E assim padre Chiocchetti, como o professor Casotti tratou Antonio Rosmini. Também não se deve dizer que estes estudos se realizam apenas na Universidade Católica de Milão, tão cara aos que ocupam posições hierárquicas muito altas. De fato, não se podia esquecer que, entre as coleções de textos filosóficos para escolas secundárias editadas pelos padres salesianos, também tão manifestamente queridas àquela hierarquia suprema, ao lado das obras dos santos e dos ortodoxos, estão também as de Kant, Bentham, e os senhores ficaram horrorizados: também de Jean Jacques Rousseau".
Pio XI responde: "Mas não podemos incluir entre os elogios relatados e muito menos entre os elogios merecidos, aqueles que parecem ser atribuídos a nós, querida Universidade Católica de Milão e seus professores, por estudos e volumes tendo como objeto a personalidade histórica e a doutrina de Kant e outros estranhos à boa filosofia escolástica e à doutrina católica, quase como se fosse um efeito e um sinal de aproximação daquelas doutrinas e não antes uma consciência escrupulosa do magistério, que não nos permite combater o que não sabemos bem, e a necessidade ineludível dos programas impostos. Esta necessidade é e deve ser suficiente para explicar e justificar a admissão (não sem possíveis precauções) nas coleções escolares de nossas senhas e de educação cristã dos tão beneméritos salesianos, de certos autores e textos, que o bem-aventurado Dom Bosco, tão profundo conhecedor de homens e coisas, tão eminente apóstolo da cultura clássica e profissional e, sobretudo, da sã educação, certamente não contaria entre os aptos para a consecução de tão elevados objetivos, sobretudo em um país e um povo como os italianos, quem ele conhecia tão bem. Por alguma experiência pessoal que tivemos com o ensino e os livros, muitas vezes vem à mente o pensamento e o medo de que o dano já apontado por Santo Agostinho esteja sendo preparado para os nossos queridos jovens: não sabem o que é necessário, porque aprenderam o que é supérfluo".
Mussolini aludiu que a concordata havia sido um campo de batalha e que guardava para si o direito de violá-la o mais rápido possível: "E, por outro lado, desses Protocolos de Latrão há um que não pode ser objeto de discussão; e é o Tratado. Quaisquer divergências terão outro terreno; o da Concordata". Ao tomar conhecimento disso, Pio XI comentou com Francesco Pacelli sobre os discursos de Mussolini: "no que diz respeito à inseparabilidade do Tratado e da Concordata, eu não teria pensado em levantar esta questão se não tivesse sido forçado pelas declarações imprudentes da outra parte que ousou formular a hipótese de que se pode seguramente não observar a Concordata".
Na sequência, Pio XI respondeu: "Menos ainda podemos concordar com a insinuação que parece significar ou sugerir que o destino dos Protocolos de Latrão pode não ser, no futuro, o mesmo para nós dois. Concordo plenamente, se significa que alguma divergência e dissidência particular em tantas variedades de coisas que a Concordata contém e toca, é tão inevitável quanto remediável e combinável; no entanto, queremos recordar e declarar que de acordo com os acordos assinados, o Tratado não é o único que não pode mais ser objeto de discussão: ou para nos explicar melhor, que o Tratado e a Concordata, de acordo com sua letra e espírito, como também segundo as inteligências explícitas oral e escrita, são um complemento necessário do outro e um do outro inseparáveis e indissociáveis. Segue-se que “ simul stabunt ” ou “ simul cadent ”, mesmo que a “ Cidade do Vaticano ” com seu Estado relativo caísse como consequência".
Mussolini discursa: "O senador Crispolti concluiu seu discurso com uma pergunta: a paz vai durar? A paz vai durar. Porque antes de tudo esta paz não é um presente que encontramos no caminho, e por acaso. É o resultado de três anos de negociações longas, difíceis e delicadas. Cada artigo, cada palavra, pode-se dizer cada vírgula, tem sido objeto de discussões honestas, calmas, mas exaustivas. Cada artigo representa o ponto de encontro necessário entre as necessidades do Estado e as necessidades da Igreja. Não é, portanto, uma construção milagrosa, que floresceu repentinamente; é uma coisa longa e habilmente elaborada. Esse é um dos atributos que garantem sua durabilidade. Durará também porque esta paz tocou profundamente o coração das pessoas, porque não nos deixaremos enredar nem pelos maçons nem pelos clérigos, que são interdependentes uns dos outros".
Pio XI responde: "A séria pergunta: ‘durará a paz’? foi respondida em meio a aplausos: ‘a paz vai durar’. A resposta e os aplausos demonstram qual é e quanto é o desejo de todos e, como é natural pensar, a intenção de todos em cooperar na realização de tão nobre e santo desejo".
Na sequência, o Papa prossegue com severidade e clareza doutrinal:
"Na motivação e declaração dessa resposta há afirmações com as quais podemos mais ou menos concordar, pelo menos em substância: há outras com as quais não podemos concordar. Entre elas está aquela que quase aproxima maçons e clérigos, uma comunhão que se baseia na distinção ou melhor oposição entre clérigos e católicos; um sofisma proibido e mesquinho, que nem o mais caloroso aplauso pode reabilitar."
E conclui com uma reafirmação da natureza superior dos acordos firmados:
"A paz de Latrão é por sua natureza essencialmente religiosa."
Após a ratificação do tratado em 7 de junho, Pio XI publicou uma carta solene no jornal L'Osservatore Romano do Vaticano, na qual manifestava seu descontentamento com as declarações de Mussolini e sublinhava divergências preexistentes quanto à aplicação da Concordata. Dois meses após a ratificação do tratado, o prefeito de Roma ordenou a apreensão imediata de todos os exemplares do caderno 1899 da edição de 20 de julho da revista La Civiltà Cattolica, cujos números passavam pela aprovação do Vaticano. O prefeito justificou a medida “pelo conteúdo anti-italiano e antifascista genérico e específico do artigo principal, intitulado Entre Ratificações e Retificações”. A mesma revista noticiou o fato em sua edição de 2 de agosto. Pio XI, em discurso ao episcopado italiano na Praça de São Pedro, na noite de 25 de julho, declarou: "Além disso, não podemos deixar de recomendar que estejamos sempre atentos ao artigo 43 da concordata. Nela se diz que a Ação Católica deve ser organizada fora de qualquer partido político e que os padres não podem e não devem filiar-se a nenhum desses partidos: de fato, o nosso partido é um só, o dos Apóstolos, o da salvação das almas". No segundo parágrafo do artigo 43 da Concordata se lia:
"A Santa Sé aproveita a ocasião da assinatura desta Concordata para renovar a proibição de todos os eclesiásticos e religiosos da Itália de ingressar e servir em qualquer partido político".
O primeiro encontro de Mussolini com o núncio apostólico em Roma, Francesco Borgongini Duca, deu-se em agosto de 1929, pouco depois da publicação dos discursos de Mussolini que desagradaram profundamente ao Papa. Mussolini o saudou com um sorriso e perguntou polidamente como estavam as coisas. Borgongini respondeu apenas: "Mais ou menos".
Em seguida, explicou que o Papa estava irritado com Mussolini e deu a entender que talvez fosse necessário tomar uma atitude muito séria. Mussolini indagou:
"O que ele pode fazer?". Borgongini respondeu: "Se a situação não mudar, podemos acabar tendo uma ruptura, o que seria muito sério, apenas duas semanas depois do início das relações diplomáticas e faltando tão pouco para a ratificação".
Mussolini retrucou: "Pelo amor de Deus! Num país onde acabamos de ter o casamento religioso reconhecido, a instrução religiosa adotada, o reconhecimento das ordens religiosas.
Borgongini explicou: "Tudo correu bem depois da assinatura do Pacto de Latrão, e Vossa Excelência e o fascismo receberam os maiores elogios e aprovações na Itália e no mundo, até 13 de maio, quando pronunciou seu primeiro discurso. Todos ficaram espantados. O Santo Padre se pergunta, quem provocou aquele discurso? Ninguém entendeu por que Vossa Excelência falou dessa maneira. Sabia que o Santo Padre estava lá para convocar o Sacro Colégio e anunciar que não ratificaria o Pacto? Mas então a ideia de esperar também prevaleceu porque Sua Eminência com Pacelli mostrou desagrado com o efeito do discurso e disse isso no segundo".
Borgongini também explicou a Mussolini que, quando a lembrança desagradável daquele discurso começava a se dissipar, Pio XI soube que ele havia ordenado sua publicação — o que o enfureceu. Mussolini respondeu: "Ah, mas o Papa não sabe das dificuldades em que me meti". Ele se justificou alegando que seus críticos se queixavam de que os corpos de Cavour, Mazzini e Garibaldi — heróis da unificação italiana e defensores da separação entre Igreja e Estado — estavam se revirando no túmulo. Mussolini disse então a Borgongini que não teve outra escolha senão mostrar que não estava colocando o Estado à mercê do clero. Acrescentou ainda que seria natural que, depois dos primeiros dias de exultação pela assinatura do tratado, alguns desentendimentos surgissem: "É como uma briga de recém-casados quando voltam da lua de mel".
Em 31 de dezembro, Pio XI publicou a encíclica Divini illius magistri, sobre a educação cristã da juventude, pois estava preocupado com as características totalitárias do fascismo, com a falta de uma efetiva catolicização das instituições italianas após o tratado e com declarações de Mussolini, segundo as quais os trabalhadores não deveriam temer o trabalho, pois o Estado cuidaria de seus filhos. Pio XI, nessa encíclica, condenava o ultranacionalismo dos fascistas:
"É bom repetir esse aviso aqui; pois nestes dias há um espírito de nacionalismo falso e exagerado, além de ser perigoso para a verdadeira paz e prosperidade."
Giuseppe Donati considerou a conciliação como uma derrota para Mussolini, escrevendo em 1º de março: "Se examinarmos objetivamente o conteúdo dos atos de 11 de fevereiro, Mussolini foi ao Latrão principalmente para subscrever a penitência por seus mais teimosos e sensacionais (e até recentes) pecados de totalitarismo contra a Igreja Católica. De fato, desde 11 de fevereiro, o regime fascista reconheceu e admitiu na Itália a existência de outro 'totalitarismo', diferente do seu: o do Vaticano."
Roberto Farinacci relembrou seu ceticismo em relação à conciliação de 1929 em seu artigo Nossa lealdade, publicado no jornal Il Regime Fascista, em 11 de fevereiro de 1944. Ele destacou que a euforia daqueles dias durou pouco mais de um mês, mas que então: "O fascismo tenta aproximar-se com confiança dos católicos e do clero, certo de ter neles preciosos colaboradores em sua missão de ir ao encontro do povo, mas encontra frieza, incompreensão, escárnio, crítica, desprezo por tudo que cheira a fascismo, o prazer para escapar das rédeas com o conseqüente alegria de ter chegado ao Fascismo e aos Fascistas".
Danilo Veneruso, professor emérito de história contemporânea da Universidade de Gênova, recorda também que a conciliação: "não foi feita para valorizar o regime de Mussolini . Pio XI tinha a firme intenção de promover e firmar pactos ou concordatas com os Estados de todo o mundo. Quando, em 6 de fevereiro de 1922, Achille Ratti ascendeu ao trono papal, ele abençoou a multidão reunida na Praça de São Pedro, abandonando o costume de abençoá-los dentro da Basílica de São Pedro em protesto pela conquista do Estado Pontifício. Imediatamente depois, ele pediu ao arcebispo de Gênova que participasse da conferência internacional para a paz em sua cidade, implorando-lhe que ficasse nos calcanhares do soviético Cicerin para tentar uma concordata também na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O Papa pensou em vários modelos, dependendo do número de católicos e das políticas presentes nos vários Estados. O regime político e social não contava". O historiador Renato Moro escreve: "Paradoxalmente, as relações entre a Igreja e o regime pioraram depois de fevereiro de 1929".
REFERÊNCIAS
S. S. Bento XV, Pacem, Dei Munus Pulcherrimum, 23 de Maio de 1920. S. S. Bento XV, Alloqui vos, 15 de Dezembro de 1919. S. S. Bento XV, Discurso aos cardeais reunidos em consistório secreto por ocasião da Conferência Internacional de Washington para o Desarmamento «In hac quidem» , 21-11-1921. Enzo Tagliacozzo, Risorgimento e postrisorgimento, 1969, p. 156. Dos Atos do Parlamento Italiano. Câmara dos Deputados. Discussões. Ano 1929 - Volume I, p. 129-154. Giovanni Coco, Il Labirinto romano. Il filo delle relazioni Chiesa-Stato tra Pio XI, Pacelli e Mussolini (1929-1939), 2 tomi, Archivio Segreto Vaticano, Città del Vaticano 2019, tomo I, p. 28. David I. Kertzer, O papa e Mussolini: A conexão secreta entre Pio XI e a ascensão do fascismo na Europa, Intrínseca, 2017. Roberto Pertici, Chiesa e Stato in Italia. Dalla Grande Guerra al Nuovo Concordato (1914-1984) , il Mulino, Bolonha 2009, p. 123. Emilio Gentile, Contro Cesare: Cristianesimo e totalitarismo nell'epoca dei fascismi, 2010, p. 212. Bendetto Croce, Per la nuova vita d’Italia. S. S. Pio XI, Alocução aos professores e alunos da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão «Vogliamo anzitutto», 13-2-1929. S. S. Pio XI, Alocução aos professores e alunos do Collegio di Mondragone «Ecco una», 14-5-1929. Giuseppe Donati, Scritti politici, volume 2, p. 367. Renato Moro, La formazione della classe dirigente cattolica (1929-1937), il Mulino, Bologna 1979, p. 124.
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